sábado, 22 de setembro de 2012

Lindos artigos

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ATITUDE ADOTIVA

Pães e Mais

Publicado em 17.08.2012, às 16h11



Foto: Internet

Por Guilherme Lima Moura
A adoção está no ar. Por todo canto, estruturam-se configurações familiares efetivamente a partir dos laços afetivos. Famílias que são reconstruídas através de novos casamentos. Avós que criam seus netos como filhos porque os pais e mães trabalham o dia todo, às vezes em cidades distantes. Padrastos e madrastas que se convertem em pais e mães porque no espaço do afeto só cabe afeto. O sangue só tem utilidade se estiver nas veias e artérias, onde cumpre o belo papel de permitir a vida orgânica. Mas filho e filha não precisam de sangue porque, como seres vivos, já o possuem. Filhos e filhas precisam de amor. De um tipo especial de amor que os permite existir como filhos e filhas e não apenas como seres vivos.

Aqui e ali, falando com um e com outro, tenho escutado inúmeros relatos sobre as muitas expressões da adoção. Dia desses um rapaz me disse: “Fui criado pelo meu tio porque meu pai nunca quis saber de mim”. Também uma senhora desabafou-me, com certa discrição, embora tenha me parado em plena rua. Puxando-me pelo braço para que um de meus ouvidos lhe chegasse mais próximo à boca, sentenciou: “Tive três filhos, mas só fui adotada pela minha filha adotiva. Os outros dois não estão nem aí pra mim! O que importa é quem a gente ama, meu filho!”. No seu comentário pretendia confirmar e estimular minhas convicções, como quem já viveu a intensidade da presença e da ausência do amor filial.

Numa outra situação, ouvi de uma pessoa próxima: “Minha mãe morreu muito jovem e minha madrinha me criou”. E quando lhe disse “Pois é. Você é também um filho adotivo”, ele parou e fez cara de quem tinha compreendido algo muito importante. De quem tinha elaborado sua própria história a partir daquela nova perspectiva. De quem tinha entendido, afinal, que na sua vida não havia uma “mãe que morreu e uma madrinha que criou”, mas uma mãe que não pode continuar mãe e uma mãe que se fez mãe e assim permaneceu até hoje. Ouvi dizer depois que naquele dia ele lhe deu um beijo especial.

A expressão “criar um filho” é realmente rica de significado. É a partir do criar que surge a existência do que quer que seja. É, portanto, no criar os filhos que os fazemos existir enquanto filhos. Essa criação, como sabemos pela simples vivência, é também naturalmente entendida numa perspectiva de longo prazo. Dizemos frequentemente: “Estou criando meus filhos; tenho meus filhos pra criar”.

A criação dos filhos é ato contínuo, de longo prazo. Surge na convivência e na aceitação. É relacional, afetiva e de uma profunda amorosidade. A criação dos filhos é, enfim, a essência do que temos chamado de atitude adotiva. Filhos nascem da criação; filhos nascem na adoção.

Nessa época de celebrações à figura paterna, tive oportunidade de participar de momentos especiais, em que nós - os papais - ocupamos o centro de todas as homenagens. Tais eventos são sempre para mim cheios de muita alegria e emoção, que priorizo sobre qualquer outro. Mas, em meio às situações em que estive, pude sempre vislumbrar ao meu redor a presença de pessoas que, não tendo ao alcance das mãos aquela figura masculina, pode encontrar nos braços amorosos de alguém a condição especial do pai-mãe. Daquele ou daquela que, em algum ponto do caminho, escolheu o tornar-se pai-E-mãe.

Esses que se decidiram como “pais e filhos”, às vezes a partir de episódios dolorosos, têm sempre alguém para encontrar na multidão dos homenageados. Têm sempre alguém para chamar de pai ou mãe.

Sim, porque há pais que são “pães”; e mães que são “mais”.

PERFIL


GUILHERME LIMA MOURA é pai adotivo, integrante do Gead (Grupo de Estudos e Apoio à Adoção do Recife) e professor da UFPE

RECURSOS




ATITUDE ADOTIVA

Vamos, filho?!?

Publicado em 27.04.2012, às 17h20




Por Guilherme Lima Moura
Dia desses, fiquei encantado com uma cena que presenciei. Estavam próximos a mim um homem e sua noiva, uma jovem viúva, mãe de um menino que também estava com eles, e cujo pai já há alguns anos falecera. A certa altura, o homem referiu-se à criança chamando-a assim: “Vamos, filho?!”. E ele foi. Emocionei-me. Enquanto os três saíam do recinto com a naturalidade típica das famílias, um filme passava em minha mente. Lembrei-me daquele jovem que havia partido. Circunstâncias da vida privaram-lhe de se manter pai daquele pequeno garoto, na época ainda um bebê.

Naquele momento, na condição de testemunha silenciosa de uma cena que mal durou alguns segundos, enchi minha alma de gratidão a Deus pela adoção. Bendita seja a escolha que cabe a cada um de nós de sermos ou não bem-aventurados. De segurarmos as rédeas do nosso futuro e assumirmos a autoria da nossa própria felicidade. Agradeci. Agradeci e pensei em quão maravilhoso é perceber que é tão somente na convivência afetiva que construímos nossa parentalidade!

“Vamos, filho?!”

Pensei em quão maravilhosa é a adoção. “Homem” e “criança” são conceitos absolutos: existem em si mesmos. “Pais” e “filhos” são conceitos relativos: um só existe por causa e a partir do outro. Ninguém pode ser pai ou mãe sem a existência de um filho ou filha e vice-versa.

Por isso, não é possível adotarmos crianças. Adotamos filhos. Porque é na adoção que pais e filhos se realizam, ou seja, passam a existir um por causa do outro. Como diz a médica e psicanalista francesa Francoise Dolto, “o ser humano, fisicamente, é um mamífero; e, psiquicamente, é um ser de filiação linguística e, portanto, de adoção”.

Lembrei de quantos arrastam por aí a frustração de uma paternidade ou maternidade não realizada por suporem que só pela gestação podem se tornar pais ou mães. Que tolice! Até quando acharão que a filiação se estabelece na herança genética? Quantos mais exemplos de desamor precisarão ainda testemunhar em meio aos laços da consanguinidade?
Não é possível adotarmos crianças. Adotamos filhos. Porque é na adoção que pais e filhos se realizam, ou seja, passam a existir um por causa do outro.
Há quem diga “Não posso ser mãe”, “Não posso ser pai”. Errado! Talvez não possa engravidar. Mas pode ser mãe ou pai, sim! Basta querer e ter disponibilidade para amar. Até porque se engravidar e não tiver amor, também não será mãe nem pai. Como já dissemos, a gestação é apenas um ponto de partida: nem imprescindível, nem suficiente. A filiação é a aceitação recíproca a um convite de profunda amorosidade.

“Vamos, filho?!”, continuava a frase em minha mente. Que coisa tão simples e linda! No convite amoroso, o exemplo singelo do fazer-se pai. Na aquiescência espontânea do menino, o fazer-se filho. Convite aceito, adoção realizada. Simples assim.

Depois daquela cena, ao chegar em casa senti-me ainda mais feliz por estar com minha família, estabelecida totalmente através da adoção, desde a adoção que minha esposa e eu realizamos um com o outro.

Lembrei-me novamente do jovem pai que se fora tão cedo. No silêncio da minha emoção, desejei que ele estivesse em paz. E entendi que se eu estivesse em seu lugar, boa parte da paz que eu poderia ter certamente adviria do fato de meus filhos serem amados.

“Vamos, filho?! Vamos, pai!”

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